O Fórum Social Mundial nasceu em 2001 autoconvocado por organizações e movimentos sociais que se mobilizaram para um grande encontro em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em contraposição ao neoliberalismo representado pelo Fórum Econômico Mundial, que ocorria ao mesmo tempo em Davos, na Suíça. As primeiras edições, até 2005, continuaram na capital gaúcha e depois o FSM percorreu o mundo com encontros em Mumbai, Caracas, Karashi, Bamako, Nairobi, Belém, Dakar, Tunísia e Montreal. Além de edições temáticas, regionais, continentais.
Em março de 2018, o FSM volta ao país onde nasceu, mas desta vez será realizado em solo baiano, na capital Salvador com o lema "Resistir é Criar, Resistir é Transformar!". Para falar sobre este grande evento, o Conexão Migrante entrevistou Eduardo Zanatta, representante da organização da sociedade civil Filhos do Mundo e do Movimento Social dos Povos Brasileiros no grupo facilitador do Fórum Social Mundial.
Qual a expectativa em relação ao Fórum Social Mundial na Bahia? Temos grandes expectativas, mas em tempos de exceção e recessão é preciso ser um pouco comedido. Estamos num ano em que as dificuldades são imensas para executar um planejamento. Temos apoios burocráticos da prefeitura e do estado. Do governo federal não temos nada. As organizações de cooperação internacional estão sem capacidade de investimento e as que compõem o Coletivo Brasileiro passam por dificuldades com cortes de verba e mesmo extinção de programas e políticas sociais. Mesmo com este quadro, vamos fazer o FSM acontecer. Com coragem e muita dedicação. Mas esperamos que todos compartilhem esta responsabilidade, sabendo que o FSM é uma construção horizontal e autogestionaria. Somos todos partícipes neste processo.
O que a Bahia e os movimentos sociais da região ganham ao receber o FSM? A Bahia ganha reconhecimento. As organizações da sociedade civil locais ganham porque passam a atuar em conjunto, sobretudo as que compõem o Coletivo Baiano, que vem trabalhando para a realização do FSM em Salvador. Vamos ganhar com a presença de inúmeras organizações e pessoas de todo o mundo trocando experiências e dialogando sobre o futuro. E esperamos impulsionar as organizações para uma convergência necessária frente as dificuldades que virão, como o processo do ano eleitoral que vai marcar a disputa pela retomada do poder para as esquerdas e, para muito além e a longo prazo, a luta anticapitalista.
Qual o diferencial deste FSM em relação às outras edições? O momento é outro em relação às edições passadas. Até recentemente o foco era a crise do meio ambiente, que continua, mas arrefeceu. Agora é o anticapitalismo que está se tornando o centro da luta. Em relação aos países que sediaram o FSM, podemos dizer que existe pouco em comum. Por exemplo, tivemos algumas edições na Tunísia, que esteve imersa na revolução da Primavera Árabe e depois nos avanços do terrorismo, e a mais recente aconteceu no Canadá, que faz parte do grupo de países consumidores-exploradores. Agora o FSM volta ao Brasil e será na Bahia, que está numa posição geográfica estratégica, no nordeste, próximo à África, com facilidade de acesso a qualquer lugar do mundo, com um povo que gosta de receber pessoas e com experiência em fazer grandes eventos – este será um diferencial. Além disso, o mais importante é que temos todas as condições de contribuir e estimular um debate necessário sobre o futuro da humanidade num mundo em que o consumo transforma pessoas em coisas, as quais, por sua vez, se transformam em riquezas para poucos.
Quais os principais temas que serão tratados este ano? Os eixos temáticos do FSM 2018 são fundamentais para se pensar num mundo justo. Como Salvador é uma cidade negra, os temas que tratam de matriz africana terão bastante visibilidade. Vamos, é claro, discutir e rediscutir as questões políticas e o conceito de democracia como reflexo do momento crítico que vivemos, como também os direitos fundamentais, o meio ambiente...
Que lugar é reservado para a pauta das migrações? Migrações será um destaque. Não só pelo que vimos em evidência nas mídias, mas também porque num mundo em crise a movimentação das populações cresce e sempre há reação dos estados nacionais e dos interesses econômicos que geram conflitos. É nesta edição do FSM que também haverá o lançamento do Fórum Social Mundial no México.Já com relação à Bahia, não podemos dizer que temos grandes fluxos migratórios neste momento. O nordeste foi no passado uma rota de escravos que deixou suas marcas. Há alguns anos, tínhamos o êxodo rural do campo para as cidades e do nordeste para o sudeste. Hoje, este fluxo está revivendo, por conta da crise e do aquecimento global que tem provocado a falta de chuvas, um problema regional que sempre existiu.
Por que é importante participar de um evento como o FSM? Hoje, num mundo onde as interações são em grande parte virtuais, reunir tanta gente presencialmente, de várias partes do mundo, para debater temas de interesse coletivo e que contribuem com ideias, projetos, propostas de maneira diferente é muito importante. A energia é muito forte! Ainda mais na Bahia, que potencializa essas forças. Será lindo, mas também um momento de muita reflexão sobre o futuro do planeta e do FSM. *Publicado originalmente no Conexão Migrante (edição 26 - março 2018). Confira a edição online do jornal em https://www.cdhic.org.br/conexion-migrante